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Madrid Design Festival

O Madrid Design Festival (MDF) foi criado em 2018 pela La Fábrica, uma conhecida promotora cultural madrilena fundada em 1995 a partir da revista de ideias e tendências Matador. É um de vários festivais, eventos e projectos de consumo e fruição cultural com que as suas equipas têm sabido articular agendas públicas e interesses privados, em Madrid e por toda a Espanha. O MDF nasceu com um objectivo específico: agregar a comunidade de design da capital.

A ideia de uma comunidade de design inicialmente ganhou forma em Milão, também em torno de um evento. Os editores de revistas milanesas dedicadas à arquitectura e ao design industrial – como a Abitare, a domus, a Casabella ou a Interni – ajudaram, sobretudo desde o pós-guerra, os empresários da região a criar o mito do design italiano. Concentraram a atenção da indústria e do mercado não nos seus produtos, coisas para a casa e escritório, mas nos seus designers. Colocando-os nas suas capas como ícones da cultura popular, criaram um sistema de reconhecimento à imagem da Cinecittà ou de Hollywood. O Salone del Mobile Italiano, organizado em Milão desde 1961, tornou-se num elemento-chave desse sistema.

Nos anos oitenta, colectivos de jovens arquitectos-designers começam a mostrar, durante a semana do Salone, os seus móveis e outros produtos projectados enquanto objectos de desejo originais e exclusivos. Fizeram-no não nos pavilhões da feira, mas em galerias de arte no centro da cidade, traçando um circuito prontamente identificado pelos seus colegas editores como Fuori Salone. Em 1991, a directora da Interni, Gilda Bojardi, chama de “Designer’s Week” à semana em que graças ao Salone e ao Fuori Salone Milão se torna o centro de uma comunidade em expansão. Os profissionais, estudantes, jornalistas e muitos outros agentes de um sistema de design globalizado vêm à feira e ao verdadeiro festival criado fora dela, à procura de designers famosos ou jovens designers. Instituições estatais dedicadas ao fomento da indústria, comércio e ensino cultivam identidades nacionais em design. Populariza-se um consumo retiniano do design que, evocando superficialmente a fruição desinteressada da arte contemporânea, equipara produtos projectados para usar a peças únicas criadas para contemplar. Este consumo baralha novidade e consequência, entusiasmo e relevância, economia e cultura. Mas funciona, e não só em Milão: a partir dos anos noventa surgem, por todo o mundo, semanas e outros festivais que agregam as suas comunidades de design em torno deste mesmo consumo.

O MDF é um dos últimos destes festivais. Replica o sistema de reconhecimento e o consumo criados em Milão. Não tem um curador, um tema ou uma tese. O seu mote geral (“Redesenhar o Mundo”) e objectivos (reconhecer o trabalho dos designers e dar visibilidade à disciplina) são tão válidos quanto genéricos. Apesar de durar mais de um mês, o MDF tem a sua semana central em meados de Fevereiro, entre a Madrid Fashion Week e a feira de arte ARCOmadrid. Tem também um centro programático – que desde 2022 é a Institución Libre de Enseñanza (ILE), um campus educacional no bairro de Chamberí –, embora as suas exposições, instalações, apresentações e outros eventos ocorram em centros culturais, lojas e galerias por toda a cidade. Tem dois programas de eventos: o primeiro, Fiesta Design, promove a democratização do design junto de vários públicos através de instalações, exposições e actividades gratuitas; o segundo, MadridDesignPro, consiste em quatro dias de conferências e debates destinados a profissionais do design, e culmina com a cerimónia de entrega do Premio MINI de Diseño, que reconhece carreiras nacionais e internacionais, bem como projectos locais.

Se semanas de design como as de Barcelona ou Valência revelam a influência das associações de designers regionais e de clusters industriais como o mobiliário ou cerâmica, o MDF opera noutra escala disciplinar, económica e territorial. Não sendo uma agência estatal, uma instituição cultural ou uma organização profissional, a La Fábrica pode mais agilmente promover o design não como um serviço à indústria ou manifestação cultural, mas como expressão do capital simbólico das grandes empresas sediadas em Madrid. Para Álvaro Matías, director do MDF, isso implica uma triangulação entre comunidade de design, marcas e público. Essa é a principal fraqueza mas também a potencial força do festival.

Um dos grandes méritos do MDF é, efectivamente, angariar o apoio de entidades públicas e do sector privado para mostrar o trabalho de designers de toda a Espanha em galerias, showrooms e palcos de Madrid. Alguns destacados das últimas duas edições incluem Álvaro Catalán de Ocón, Prémio Nacional de Design 2023 e o grande consagrado no MDF 2023 – ganhou o prémio MINI e organizou uma exposição dedicada ao seu PET Lamp no Centro de Design DIMAD. Promove também, no edifício do seu atelier, a festa do MDF que ninguém quer perder. Inma Bermúdez, Prémio Nacional de Design 2022, apresentou este ano uma colecção para a marca de sanitários Roca com uma instalação desenhada para a enorme vitrina da sua loja. Miguel Milá, o decano do design de mobiliário espanhol, inaugurou no Centro Cultural Fernán Gómez, aos 93 anos, uma retrospectiva exemplar do seu trabalho que merece ser vista por toda a Península Ibérica.

Ao revelar que 85% das marcas mantêm-se ligadas ao MDF desde a sua primeira edição, Matías salienta o tipo de compromisso que permite pensar em parcerias e projectos desenvolvidos a médio-longo prazo. Que sejam, ele reforça, “alternativas às acções de branded content e activações de marca convencionais.” Contudo, a mostra de mestres de ofícios artesanais patrocinada pela Mazda (uma entre várias instalações e exposições do MDF dedicadas ao design coleccionável e ao artesanato de luxo), o concurso destinado a estudantes de design promovido em parceria com a IKEA, ou as instalações patrocinadas pela Amazon criadas pelos designers Martín Azúa (2023) e Andreu Carulla (2024) para espaços da ILE – nos quais reflectiram, não sem ironia, sobre a nossa relação com a abundância e a escassez – mostram que esse compromisso pode ter mais ambição, originalidade e consequência.

A ambição questionará em que outras indústrias tem o design um impacto crucial – como a saúde, a energia, os videojogos ou o audiovisual, em que Madrid, sede do segundo maior hub de produção da Netflix fora dos EUA, é líder mundial. A originalidade incluirá repensar formatos de divulgação que desafiem o âmbito disciplinar e o consumo retiniano destes festivais, para transmitir de forma eficaz conhecimento sobre o processo de design, seus protagonistas e resultados. Enquanto promotora cultural que nasceu de uma plataforma editorial, a La Fábrica está num bom lugar para o fazer. O ciclo de conversas entre designers MDF STUDIO, acessível no canal de YouTube do festival, é um bom exemplo disso. A consequência passará por destacar o papel central do design no estado, como o fez Eduardo Aires, convidado por Matías para apresentar no MDF’24 o design da identidade visual da República Portuguesa, no que foi a primeira apresentação pública deste projecto. Uma das virtudes do MDF é a sua juventude. Outra é a sua indefinição. É desde 2018 uma soma anual de partes, uma rede atirada a uma cidade de seis milhões de habitantes com uma multiplicidade de indústrias e uma comunidade de design tão diversa quanto difícil de agregar. Isso é bom. Mas pode ser muito melhor. ⁕