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Menos rock stars, por favor

Qual é o propósito de uma conferência académica? 

Sou designer há quinze anos, a fazer doutora­ mento há dois, mas esta foi a primeira vez que participei numa conferência deste tipo. Displaying Design: History, Criticism, and Curatorial Discourses foi a conferência anual da Design History Society (DHS), que em 2023 foi organizada pela Escola Superior de Artes e Design (ESAD) de Matosinhos, uma instituição de ensino superior privada, entre 7–9 de Setembro. 

A minha expectativa era alta: esta conferência iria reunir as pessoas que estão a liderar a investigação sobre História do Design, como a Penny Sparke, Teal Triggs, Pat Kirkham e Jane Pavitt, bem como as rock stars que acompanho há anos. Esperava o Woodstock do design! Ao fazer o registo na entrada da ESAD foi-me oferecida uma tote bag da Porto Design Biennale, organizada por esta instituição – ecologia ou autopromoção, deixo ao vosso critério. Imediatamente ao lado, vejo uma mini-exposição com curadoria de José Bártolo, director científico do centro de investigação da escola, esad-idea, cuja presença na conferência foi intermitente, porventura dado o seu envolvimento recente num escândalo editorial. Em mostra estavam várias publicações portuguesas, algumas delas publicadas durante o Estado Novo, com capas explicitamente racistas e sem nenhuma explicação sobre a razão daquela selecção ou daquela exposição. Por fim, reparo que a primeira mesa da feira de livros era da própria esad-idea. A presença da instituição organizadora era desmedida no espaço e, no entanto, nenhum dos papers apresentados era da autoria de pessoas que são investigadoras na mesma. 

Ao entrar no átrio, vejo que a vasta maioria das pessoas presentes são mulheres. Naquela manhã soalheira de quinta-feira, os estam­pados gráficos da Marimekko, as cores garri­das da COS e os padrões da Bimba y Lola balançavam num ambiente jovial em que todas as pessoas pareciam estar muito contentes por participar numa conferência de forma presencial, num mundo pós-COVID-19, num país quente no Sul da Europa, com boa comida e perto do mar (daytime drinking, sussurravam as britânicas). 

Sempre tive consciência, enquanto designer, que o mundo da academia e o mundo da prática acenam um ao outro à distância, mas nunca isso se tornou tão evidente para mim como participante neste evento. O que faltava a muitas das apresentações nesta conferência era precisamente design. A grande maioria das apresentações não conseguiam ser cativantes ou estimulantes, não faziam dançar! Mas não lhes faltava só design, faltava crítica: algumas das apresentações que vi eram descritivas, não consideravam o poder político do design, nem os não-tão-recentes desenvolvimentos da teoria decolonial, interseccional e feminista dentro da prática e teoria do design. 

Não encontrei o Woodstock do design nas apresentações das rock stars, mas foi em apresentações como as de Abbie Vickress, Alex J. Todd, Katie Krcmarik, Maya Ober, Michael Ellsworth, Nuno Coelho, Raya Leary e Zara Arshad que encontrei um discurso mais crítico, uma perspectiva mais inclusiva e a energia que tanto procurava na conferência. 

Mas com um bilhete de estudante a custar 110 euros, para quem serve esta conferência? As pessoas que viam as apresentações, tal como eu, eram também as que apresentavam. Fica a pairar uma espécie de código implícito – “vês a minha e eu vejo a tua.” Nada melhor do que o edifício circular do Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões, onde na segunda noite aconteceu o jantar de gala, para personificar esse círculo vicioso que é uma conferência académica. Estonteante, apesar de difícil acesso, o terminal é um espaço de entrada, ou de saída, onde foi oferecido um jantar farto, mas onde não havia mesas. Os quimonos Issey Miyake correram o risco de ficarem sujos ao servirem de colo ao jantar ambulante. Este espectáculo de abundância, ladeado por falta de acesso, espelha o mundo em que navega quem participa desta conferência, que oferece conhecimento só a quem tiver ou puder ter as ferramentas necessárias para o absorver. 

A última keynote da conferência, apresentada por Saki Mafundikwa, designer gráfico do Zimbabwe, deixou o público de lágrimas nos olhos, depois de um testemunho sincero e emotivo sobre o seu percurso como designer e da sua missão como educador. Mafundikwa terminou o seu curso no conhecido programa de design gráfico da universidade de Yale, em 1985, com uma tese sobre tipografia em África que viria a dar origem ao importante livro, esgotado há anos, Afrikan Alphabets: The Story of Writing in Afrika. Na sua palestra, mostrou uma carta que o celebrado designer modernista americano Paul Rand, seu professor, lhe escreveu a dizer que a sua tese era boa, mas não ia longe o suficiente: sugeria-lhe, entre outras coisas, comparar símbolos africanos com o trabalho de Picasso e Paul Klee. A isto, Mafundikwa ofereceu um aparte: “Na altura não achei que ele tivesse razão, e continuo a não concordar com ele.” Às vezes queremos rock stars, mas devíamos era procurar pessoas com quem começar uma banda. ⁕