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Como redesenhar um serviço público?

O serviço militar de oito a onze meses é obrigatório para todos os cidadãos estónios do sexo masculino a partir dos 17 anos de idade. Apesar de ser obrigatório por lei, muitos homens não participam. Vistas de fora, as Forças de Defesa da Estónia dão a impressão de ser uma relíquia de outros tempos: uma organização hierárquica, conservadora e maioritariamente masculina. Haverá uma forma de redesenhar a organização e melhorar um serviço vital para o Estado tendo a Rússia como país vizinho?

“Tahan ajateenistusse!”, ou “Inscreve-me no serviço militar!”, era uma frase improvável de se ouvir na Estónia até ao início da guerra na Ucrânia, a 24 de Fevereiro de 2022.1 Intrigantemente, este é também o slogan e o nome do programa com que o grupo de design dos serviços públicos da Estónia, intitulado Innovatsioonitiim [Equipa de Inovação], abordou as Forças de Defesa para desenvolver o processo de adesão e participação no serviço militar para “incrementar a vontade de defender.” A sua multifacetada e complexa tarefa enfrentou um contexto particularmente hostil: caso o serviço militar fosse voluntário, apenas 10% dos jovens deste estado báltico se inscreveriam.

Em 2015, cerca de 32% a 35% dos homens na Estónia escaparam ao serviço militar por razões médicas. “Tinha a impressão de que no serviço militar não aprenderia nada de especial para além de contar flexões. Todos os meus amigos partilhavam da opinião de que as Forças de Defesa eram inúteis. Tínhamos a imagem de estarmos sentados numa floresta molhada e suja durante meses. A minha opinião antes de me alistar era a pior possível”, afirma Aleksander Ojari, actualmente a fazer o serviço militar. Desde que me lembro, o serviço militar na Estónia nunca pareceu ser muito popular, excepto talvez para alguns entusiastas. Até ao colapso da União Soviética, em 1991, o serviço militar era efectuado num formato diferente e tinha a duração de dois anos. O meu pai lembra-se do treino ao ar livre, com cinquenta graus negativos na estepe Siberiana, e de ter uma única licença de dez dias para visitar a Estónia durante este período. O serviço militar do nosso amigo de família, Ain, foi uma experiência ainda mais extrema: teve de limpar o desastre do reactor nuclear de Chernobyl no final dos anos oitenta. O meu pai confessa que partilhar esta experiência com estudantes de outros departamentos do Instituto Politécnico de Tallinn, onde estudava na altura, foi um grande alívio: em comparação com as histórias que ouvia de outros locais, admite que a divisão onde serviu era bastante culta. Não se surpreende por isso que as pessoas tenham tomado medidas extremas para escapar ao serviço. Hoje, este é feito no nosso território e de acordo com as nossas regras, mas a sua imagem complicada mantém-se.

Não sei o que vêem nas notícias, mas aqui, nos últimos dois anos, não houve um dia em que não se ouvisse falar da guerra na Ucrânia, da NATO e da fronteira partilhada com a Rússia. A par da tomada de consciência da necessidade absoluta de estarmos prontos para defender o nosso Estado, há uma enchente de programas de televisão que popularizam o serviço militar. Realizadores de cinema, jornalistas, artistas e outros têm-se juntado e partilhado o seu percurso militar na série documental da televisão pública Kuidas meist said sõdurid [Como nos tornámos soldados, 2023]. Outro programa, Naised vormi [Mulheres em Uniformes, 2021], tem como objectivo quebrar, tal como anunciado, “mitos sobre como o serviço militar é demasiado complicado para as mulheres.” Contudo, o programa Klassiga ajateenistusse [Serviço militar junto com os colegas], estreado em 2019, é de todos o que mais pode ser visto como o verdadeiro antecessor diretco da iniciativa da Innovatsioonitiim dedicada ao design de um melhor serviço militar. Este programa acompanhou um grupo de jovens do liceu de Tabasalu, em 2019, entre o fim do ensino secundário e o começo do serviço militar, tendo estes sido entrevistados novamente em 2023 no programa Pealtnägija [Testemunha]. Foi nesse programa que partilharam as experiências sobre a sua ida em conjunto, as suas dúvidas sobre o serviço e a sua disponibilidade para combater numa guerra. As suas opiniões e experiências variaram bastante, porém todos partilharam da admissão – no que é talvez um aspecto mais intrigante dos seus testemunhos – que a sua disponibilidade para defender só se tornaria evidente quando a situação o exigisse.

O projecto de mudar o impopular serviço militar foi candidatado pelo próprio Ministério da Defesa ao programa de inovação no sector público. A Innovatsioonitiim começou por realizar trinta entrevistas em profundidade com jovens que tinham uma opinião negativa sobre o serviço militar. As suas primeiras percepções revelaram que os jovens viam o serviço militar como uma interrupção dos seus planos em termos de educação, de carreira ou de relações. Estes preocupavam-se com o facto de o sistema os tratar como números e não como indivíduos. Em última análise, a equipa concluiu que os obstáculos variam e que cada indivíduo precisa de uma abordagem pessoal. Ojari, por exemplo, conseguiu adiar o seu serviço graças aos estudos universitários e admite que este adiamento foi vital, porque embora considerasse o recrutamento uma perda de tempo, ele estava agora pronto a mudar de atitude e a planear tirar o melhor partido do tempo lá passado.

Esta percepção acerca da abordagem pessoal evoluiu para um modelo de aconselhamento, no qual um consultor telefona ao recruta antes da primeira consulta e faz um pequeno levantamento de problemas que possa ter. A Innovatsioonitiim fez ainda uma experiência em que convidou colegas do liceu para participarem juntos no serviço, levando à constatação – a qual talvez precise de ser aprofundada – que fazer o serviço militar se assemelha a um choque cultural: novas regras rígidas, demasiada informação nova durante um curto período de adaptação, etc. Uma das principais ideias apresentadas no programa de televisão já mencionado – que continua a ser emitido – é a recruta com um grupo de amigos: afinal, torna-se mais fácil de gerir a incerteza quando a enfrentamos em conjunto. Foi ainda introduzida uma semana zero, dedicada ao convívio e à camaradagem entre novos recrutas. Estes tiveram também a oportunidade de explorar o seu entorno de serviço através de experiências partilhadas, como pintar as paredes dos corredores em grupo. Dois grupos criaram também cartões com mensagens para os futuros soldados, chamados Notas sobre o serviço para os recrutas recém-chegados.

Talvez a descoberta que melhor espelha a instituição seja a de que o pessoal militar poderia beneficiar da inclusão de métodos de ensino comprovados, porque o contacto entre os recrutas e o seu instrutor afecta fortemente a motivação do futuro reservista a regressar às forças armadas. Para resolver este problema, a Innovatsioonitiim organizou um design sprint para se concentrar nos métodos de ensino das Forças de Defesa da Estónia e na formação do pessoal militar, focando-se na motivação. A sua percepção final mostrou que tanto os jovens como os seus futuros empregadores não conseguiam ver como é que o serviço militar beneficiava a vida civil. Para resolver o problema, conceberam um protótipo de diploma e de curriculum vitae, testando-o junto de empregadores e recrutas para ver que informação é valorizada e como a terminologia militar pode ser modificada para a vida civil. Efectivamente, estabelecer objectivos pessoais e encontrar motivação para melhorar parece ser crucial. Esse é o caso do recruta Ojari: embora ter de fazer o serviço o incomode, ele pretende desenvolver-se fisicamente e encontrar formas de aprender. O seu preconceito inicial sobre um ambiente aborrecido e hostil também revelou estar errado; em vez disso, ele encontrou pessoas normais que levam o seu trabalho a sério.

A mentora do projecto na Innovatsioonitiim, Helelyn Tammsaar, diz que embora a reformulação do programa tenha durado apenas dez meses em 2021, a cooperação da equipa com as Forças de Defesa continua em projectos que visam melhorar os métodos de ensino e aumentar a motivação. Um desses projectos consiste em desenvolver um novo método de ensino da língua estónia a recrutas cuja língua materna é o russo – com efeito, os 23% da população de etnia russa da Estónia incluem pessoas que falam estónio fluentemente, mas também outras que não falam uma única palavra.

Desde 2021, a Innovatsioonitiim tem partilhado as suas experiências na Finlândia e na Noruega, onde o serviço militar também é obrigatório. Tammsaar considera que, embora a partilha de experiências e a aprendizagem com os outros seja benéfica, o mesmo programa não pode ser implementado noutros locais: é um projecto de design para o aqui e agora. Ela explica: “Não creio que os elementos do programa que sugerimos fossem novos – novas foram a introdução e a utilização de métodos de design thinking e de co-criação num sistema definido pela hierarquia e assente na ordem.” O trabalho da Innovatsioonitiim revela que o sistema necessita de uma actualização, especialmente no contexto do serviço militar obrigatório, sendo que não existem muitas alternativas plenamente implementadas – como, por exemplo, o serviço civil.2 Contudo, esta observação do Coronel Mati Tikerpuu reflecte uma mente aberta a novas melhorias: “O projecto da Innovatsioonitiim (…) foi como uma lufada de ar fresco matinal numa sala abafada, depois da qual não se quer fechar a janela.” ⁕

  1. Data que coincide com o Dia da Independência da Estónia, o qual celebra a Declaração de Independência da República da Estónia, de 24 de Fevereiro de 1918, face ao Império Russo. Após ser anexada pela União Soviética, em 1944, a independência da Estónia foi restaurada a 20 de Agosto de 1991. ↩︎
  2. Na Estónia este serviço civil é chamado asendusteenistus [serviço alternativo] e dura doze meses. ↩︎